UNITERMOS-
Aborto. autonomia, direito à vida.
Preliminares
Como sempre - mas, hoje,
muito mais do que antes -, a consciência atual,
despertada pela insensibilidade e pela
indiferença do mundo tecnicista, começa, pouco
a pouco, a se reencontrar com a mais primária e
indeclinável de suas normas: o respeito pela
vida humana. Até mesmo nos momentos mais graves,
quando tudo parece perdido, dadas as condições
mais excepcionais e precárias como nos conflitos
internacionais, na hora em que o direito da
força se instala, negando o próprio Direito, e
quando tudo é paradoxal e estranho -, ainda
assim o bem da vida é de tal grandeza que a
intuição humana tenta protegê-lo contra a
insânia coletiva, criando-se regras de conduta
que impeçam a prática de crueldades inúteis e
degradantes.
Quando a paz passa a ser
apenas um momento entre dois tumultos, o homem -
o Cristo da sociedade de hoje - tenta encontrar
nos céus do amanhã uma aurora de salvação. A
ciência, de forma desesperada, convoca os
cientistas de todos os climas a se debruçarem
sobre as mesas de seus laboratórios, na procura
alucinada dos meios salvadores da vida. Nas mesas
das conversações internacionais, mesmo entre
intrigas e astúcias, os líderes do mundo
inteiro procuram a fórmula mágica da
concórdia, evitando, assim, o cataclismo
universal.
Mesmo assim, e, mais ainda, na crista da
violência que se instituiu em nosso país nesses
últimos anos, levanta-se uma nova ordem: a da
legalização do aborto, ou, eufemisticamente, a
sua descriminalização. Tal fato nada mais
revela senão a reverência ao abuso, o aplauso
ao crime legalizado e a consagração à
intolerância contra seres indefesos, cujo fim é
a injustificável discriminação contra o
concepto e as manobras sub-reptícias do controle
da natalidade, como forma de preconceito do
patriarcado industrial, do machismo científico e
do colonialismo racial.
Quais as verdadeiras razões desse raciocínio
tão implacável? Supõem os defensores do aborto
que seria uma maneira radical de diminuir o
número de abortamentos clandestinos e sua
morbimortalidade. É argumento pouco consistente
alguém simplesmente justificar um aborto porque
a mulher não esperava uma gravidez ou porque
admite uma remota probabilidade de malformação
genética, quando venha se manifestar um
possível gene autossômico recessivo. O que
assusta é imaginar que a gestante que não possa
ou não tenha oportunidade de realizar exames
pré-natais, e, portanto, direito ao aborto, não
seja contemplada mais adiante com urna
legislação que permita praticar impunemente o
infanticídio.
Aceitar-se a legalização do aborto, projetando
na realidade brasileira uma cifra aproximada de
abortamentos criminosos praticados anualmente em
torno de dois a três milhões -, ou pelo fato de
ser essa prática contínua e progressiva, nos
leva a graves e perversas contradições:
Primeira, nada mais discutível que tais
estatísticas sempre supra ou subestimadas ao
sabor de cada paixão e, por isso mesmo,
desconhecidas; depois, seria o caso, com todo
respeito, de normatizar também o seqüestro, que
é uma situação que se repete de maneira
continuada e assustadora.
Após a legalização do aborto, será que
surgiriam os defensores do infanticídio oficial
do segundo ou do terceiro filho dos
"indisciplinados sexuais"? Pelo menos,
isso não seria nada original, pois já se
utilizou de tais recursos, em época não muito
distante, numa pretensa e cavilosa
"política eugenista". Admite-se, no
Brasil, uma mortalidade materna em torno de. 4,5
por 100 mil nascimentos vivos, em abortos
provocados, o que representa um fato lamentável
e muito grave. No entanto, somente em João
Pessoa morrem por dia cerca de doze crianças,
entre 0 e 5 anos, por doenças tratáveis e
evitáveis, agravadas pela fome.. E não se
conhece nenhum movimento organizado que, pelo
menos, manifeste, sobre isso, sua indignação.
Admitimos, ainda, que nos países que adotam o
aborto livre, apenas uma pequena parcela dos
médicos defensores e praticantes do abortamento
seja consciente e honesta. A maioria, bem
significativa, o faz por interesses meramente
financeiros.
Ninguém se engane que o aborto oficial vai
substituir o aborto criminoso. Ao contrário, vai
aumentar. Ele continuará a ser feito por meio
secreto e não controlado, pois a clandestinidade
é cúmplice do anonimato e não exige
explicações.
Podemos até admitir a discussão ampla do
problema, convocando-se todos os segmentos
organizados da sociedade para esse debate com
vista a uma possível alteração dos códigos.
Tudo bem. O que não se pode é instigar ou
aplaudir, por razões ditas
"humanitárias" e
"ideológicas", o simples desrespeito
à lei e a pregação à desobediência civil.
Uma coisa deve ficar bem clara: indiscutível é
o direito inalienável de existir e de viver;
outro, de limite discutível, é o direito de
alguém dispor incondicionalmente da vida alheia.
Outra coisa: legalizado-se o aborto, estariam
todos os obstetras disponíveis à prática
abortiva? Acredito que não. Ninguém pode ser
violentado na sua consciência. Ainda mais: os
professores de obstetrícia estariam no dever de
colocar no currículo de ensino de sua
especialidade, não apenas os conhecimentos na
assistência à gestante e ao feto, mas, também,
conhecimentos de como matar com mais eficiência
e destreza o embrião humano? E possível
conciliar uma medicina que cura com uma medicina
que mata? Onde levantaríamos o limite de dispor
de uma existência? Ao que nos consta, a medicina
sempre contou com o mais alto respeito humano
pelo irrestrito senso de proteção à vida do
homem e não como instrumento de destruição.
Fora disso, é distorcer e aviltar a sua
prática, a qual deve inclinar-se sempre ao bem
do homem e da humanidade, prevenindo doenças,
tratando dos enfermos e minorando os sofrimentos,
sem restrições ou sem discriminações de
qualquer natureza.
A oficialização do aborto nada resolve. Ele
não é causa, mas conseqüência. Não é um
fato isolado. � um fenômeno estritamente de
ordem social, e como tal tem sua solução com
propostas políticas bem articuladas, pois ele
sempre teve na sua origem ou nas suas
conseqüências uma motivação de caráter
social. A primeira coisa que se deve fazer para
se minimizar o aborto provocado é acudir os
grupos desassistidos, por meio do esvaziamento
dos vergonhosos bolsões de miséria,
permitindo-lhes o acesso às suas necessidades
primárias e imediatas: casa, comida, educação,
saneamento básico e assistência médica. E
necessário também fazer nascer a consciência
sanitária na população, orientando-a para os
movimentos organizados de saúde, na luta com os
trabalhadores rurais e urbanos por melhores
condições de vida e de saúde, além de uma
política social justa e capaz de favorecer as
suas necessidades mais elementares, no combate
permanente à iniqüidade e à injustiça.
Reflexões do
jurista
Martins e Martins, em
trabalho publicado recentemente na Folha de S.
Paulo, afirmam que há muito tempo já se vincula
o aborto a uma questão meramente de política
demográfica do Estado. E lembram Hitler como
precursor da legalização do abortamento, nos
casos de aborto eugênico, para evitar o
nascimento de crianças defeituosas, certamente
na intenção da melhoria da raça. Dizem ainda
que, "no começo do século, permitia-se o
aborto quando era necessário optar entre a vida
da mãe e a vida do filho; mais tarde, quando a
medicina evoluiu e esses casos passaram a ser
raríssimos - mais ainda: hipotéticos as
legislações passaram a substituir a expressão
'vida da mãe' por 'saúde da mãe',
entendendo-se, então, saúde, não como no
passado, como ausência de grave enfermidade, mas
como o "estado de perfeito bem-estar
físico, psíquico e emocional da mulher".
Afirmam ainda que "a mulher, com efeito,
alcançou posições de destaque na vida social,
saiu do lar para trabalhar e mostrou todo seu
brilho". Muito bem. Seria interessante
saber, porém, em que se originou o preconceito
contra as mulheres que optam por exercer o
trabalho do lar, que por sinal é uma verdadeira
arte? Acaso a mulher não pode se realizar nesta
profissão? Quantas mulheres, com nível superior
de instrução, não optaram por esse caminho e
estão plenamente realizadas?
Finalmente, afirmam que não poderiam terminar
deixando de lembrar que, "em 1857, a Corte
Suprema dos Estados Unidos declarava que o negro
não possuía personalidade jurídica e,
portanto, estava sujeito ao seu dono. Um século
mais tarde, essa mesma Corte declarava o
nascituro sem nenhum direito. A coincidência das
duas sentenças é muito grande, e foi ressaltada
recentemente em artigo do Grupo Mulheres Unidas
em Favor da Criança não Nascida",
publicado no jornal norte-americano "The
Washington Post". As coincidências são
claras. Um dos juizes da Suprema Corte, que na
ocasião foi voto vencido, dizia profeticamente:
"A partir de agora, a mulher pode abortar
por qualquer motivo ou sem nenhum motivo".
Estamos, pois, diante de um aparthe�d abortista.
Em 1988, a Organização Mundial da Saúde (OMS)
declarou o Brasil campeão mundial do aborto:
foram três milhões, mais do que o número de
nascimentos (2,77 milhões), cerca de 10% dos
abortos do mundo inteiro. Tudo isso num país
onde o aborto é crime. Pode ser que os
constituintes de amanhã legalizem essa prática
criminosa; mas fiquem tranqüilos os ecologistas,
pois, em compensação, poderão fazer aprovar
uma lei que protegerá a vida das baleias 'desde
a concepção'. Não temos nada contra os
ecologistas, mas temos de convir que a primeira
natureza a ser defendida é a humana" (1).
Reflexões do
religioso
O Pe. Ne Afonso de Sá Era,
coordenador do Movimento de Defesa da Vida da
Arquidiocese do Rio de Janeiro, em matéria
transcrita há tempos atrás no Jornal O Norte,
de João Pessoa, sob o título "Aborto e
defesa da vida", enfaticamente pergunta:
"O que está atrás dos movimentos de
liberalização do aborto? Quais são seus
argumentos? Qual é o seu espírito, seu alcance,
sua mola, sua direção?"
E segue: "A principal alegação do
movimento abortista brasileiro, tal como em
outros países, é de que a lei deve estender às
gestantes pobres o 'privilégio' que as ricas
têm de poder eliminar, com assistência médica
e requinte técnico, os próprios filhos. Qual o
valor desse raciocínio? A reivindicação de
legalidade supõe que o aborto oficializado faria
regredir o clandestino, com seus perigos para a
gestante. E que o feticídio praticado em boas
condições técnicas se tornaria inofensivo. Na
realidade, nada mais distante da verdade e
contrário a fatos comprovados (...). Pelo
contrário, a introdução da legislação
permissiva, na Dinamarca, provocou o aumento do
número de feticídios clandestinos, como foi
reconhecido num relatório da ONU em 1965 sobre
mortalidade fetal e infantil".
Outro slogan da campanha de liberalização do
aborto, afirma o articulista, "é de que na
gravidez a mulher deveria ter o direito de
escolha, e que a interrupção da gestação
devia ser uma opção livre, garantida pela lei a
toda mulher desejosa de terminar com a
prenhez" .
Do ponto de vista social e autenticamente
feminista, acrescenta, "esse argumento, mais
uma vez, é autodestrutivo. Imagine-se apenas que
o aborto, por motivos sociais e feministas,
viesse a ser legalizado, como pretendem certos
grupos. Que direito poderia então a gestante
pobre exigir da sociedade, pelo fato de estar
esperando um filho? Que segmento da comunidade se
sentiria socialmente obrigado a ajudá-la no
encargo trabalhoso da maternidade, se a lei
criasse o aborto gratuito, publicamente
subvencionado? É fácil perceber que a
justificação do feticídio, longe de favorecer
a liberdade e socorrer o pobre, transformaria
imediatamente o aborto optativo em aborto
compulsório para a população carente".
Diz ainda: "No momento em que se abre no
país um processo de reconhecimento mais amplo
dos direitos humanos, e em que os países que
legitimaram há mais tempo o aborto estão
insinuando tímidos movimentos de recuo diante
dos horrores do feticídio, é a ocasião de se
pensar no acatamento constitucional do direito
básico ao nascimento que assiste naturalmente a
todo ser humano, desde o instante da concepção,
e de se consignar em lei o direito que tem toda
criança de nascer e crescer numa família
regularmente constituída. No momento em que o
país se defronta com uma onda de violência
nunca dantes testemunhada, não é hora de se
institucionalizar a violência pura, sob a forma
de aborto livre, nem de caminhar cegamente para
ele por uma liberalização progressiva do
feticídio. No momento em que os partidos
políticos estão se estruturando, unidos na
fraternidade de uma aspiração comum à justiça
e à eqüidade social, não é hora de decretar o
sacrifício dos mais fracos e inocentes às
conveniências egoístas e aos interesses de
certos grupos. Numa hora em que a mulher se
conscientiza e se afirma, na dignidade de sua
condição humana, não é hora de enganá-la,
expondo seu corpo a sicários diplomados e
condenando à morte legalizada seus próprios
filhos".
E, finalmente: "Consciente desse apelo dos
tempos, a Arquidiocese do Rio de Janeiro lançou
uma campanha pública em defesa da vida, bem
antes que se erguessem as presentes
manifestações abortistas. Trata-se de um
movimento dirigido a todos os católicos e não
católicos que entendem, como seres humanos, a
grandeza do dom da existência e a dignidade
intangível da pessoa" (2).
Reflexões do
pesquisador
O professor Jérome
Lejeune, pesquisador da Universidade René
Descartes, de Paris, especialista em Genética
Fundamental e descobridor da causa genética da
síndrome de Down, teve, conforme declara a
revista Veja, a palavra cassada diante do boicote
erguido por outros conferencistas, num Congresso
de Medicina Fetal em São Paulo, pelo fato de
opor-se ao aborto legalizado. Na sua entrevista,
sob o título "O direito de nascer",
reportando-se sobre o aborto em crianças com
defeitos, declarou: "Os fetos que apresentam
problemas, as crianças que nascem doentes, com
síndrome de Down, por exemplo, têm todo direito
de viver, o mesmo direito dos seres humanos
considerados 100% saudáveis. Os defensores do
aborto dizem que o feto na barriga da mãe,
especialmente nas primeiras semanas da gravidez,
ainda não é pessoa, ainda não vive. Isso é
uma distorção da verdade científica".
Mais adiante, perguntado se o aborto eugênico
não seria uma prática em favor da criança,
disse: "O aborto resolve o problema dos
pais, não o dos filhos. É ingênuo acreditar
que os pais defendem o aborto porque o feto tem
um problema irreversível. Na verdade, essas
pessoas se servem das doenças detectadas pelos
modernos exames pré-natais para que tenham o
direito de se ver livres de uma criança com
malformação, para não terem problema. E uma
lógica curiosa. Quando eu era jovem, era moda
dizer que aquele que ama castiga. Nunca acreditei
nessa história. Agora, insistem numa nova tese:
quem ama mata'"
Perguntado sobre sua afirmação de que o aborto
era uma prática racista, respondeu:
"Sugerir que se elimine esse ou aquele ser
humano porque possui esta ou aquela anomalia é
um comportamento racista. Os pais que defendem
isso não querem ter um filho doente. Então
fazem uma espécie de racionalização. Decidem
matar a futura criança simplesmente porque ela
terá um problema, porque tem um cromossoma a
mais. Isso é puro racismo cromossômico. Na
síndrome de Down ou trissomia 21, por exemplo,
já há um preconceito embutido na sua própria
denominação vulgar. Ela é chamada,
popularmente, de "mongolismo", porque
as crianças que a portam têm um aspecto
particular que lembra ligeiramente, para um
ocidental, as feições de um tipo asiático. Na
Mongólia, porém, a doença não deve ser
chamada de mongolismo, mas de "imbecilidade
ocidental".
Inquirido se a notícia de um filho com defeito
traz problemas à família, disse: "O
nascimento de uma criança com problemas, mentais
ou físicos, é uma revelação terrível. Os
pais sofrem profundamente e este sofrimento pode
levar a duas situações: uma é a
reaproximaçâo do casal, que se une como nunca.
Outra possibilidade é os pais não suportarem o
golpe e aí a família se quebra. Mas a
experiência mostra que há menos divórcios nas
famílias cujos filhos têm deficiência do que
nas famílias com filhos normais. Conheço mais
de dois mil portadores de síndrome de Down, com
nome e sobrenome, e em sua grande maioria os pais
vivem bem. São felizes, apesar de tudo"(3).
Reflexões do
médico
Mário Victor de Assis
Pacheco, professor universitário, livre docente
de Clínica Ginecológica e eterno preocupado com
os problemas de vida e de saúde do nosso povo,
em seu livro "Racismo, Machismo e
Planejamento Familiar"', entre outras
coisas, afirma: "Aprovada a lei
regulamentando a prática do aborto, além do
terapêutico e em casos de estupro, já presentes
na lei, uma mulher não esperaria o terceiro mês
de gravidez e procuraria interromper a gravidez
tão logo descobrisse estar grávida. Nessas
condições podemos imaginar o direito legal de
urna mulher fazer vários abortos por ano, isto
é, faria o primeiro em janeiro, o segundo em
março ou abril, o terceiro em agosto e o quarto
em novembro ou dezembro. Ou será que a lei vai
limitar a apenas um aborto por ano? Como fazer
cumprir este parágrafo da lei?".
E mais: "A execução do aborto por médicos
competentes em ambiente higiênico e com
cobertura de antibióticos continuará a ser
feita, como até hoje, pelas mulheres de posse
com ou sem legislação do aborto, e por
executores exímios, mas ninguém suponha que os
médicos competentes que têm rica clientela que
lhes pagam muito bem vão perder seu tempo e
dinheiro fazendo abortos gratuitamente nos
hospitais do INAMPS ou em casas de saúde
conveniadas. A mulher pobre, a grande maioria,
será atendida por estudantes, residentes,
enfermeiras, todos se iniciando na prática da
"nova" especialidade criada por lei que
permitirá matar criaturas indefesas e sem culpa
condenadas oficialmente. A legislação do aborto
só beneficiará as mulheres ricas e
tranqüilizará os médicos aborteiros. Com humor
amargo já se diz que as mulheres pobres e
teimosas que persistirem nas filas do INAMPS para
a prática do aborto legal acabarão por se
dirigir ao guichê do auxílio de natalidade. Mas
este parece que também vai ser suspenso!"
E mais para diante: "A propósito do aborto
como método antinatalista, o que pensam os
mentores estrangeiros e financiadores do aborto?
Num relatório da OMS, em 1971, lê-se: "O
recurso eventual ao aborto pode se revestir de
importância quando a sociedade o aceita, ou como
método contraceptivo legal" (Rapport d'un
Comité d'experts de l'OMS - série de Rapports
Techniques - n� 476, 1971). A OMS tem defesas
muito hábeis, buscando sempre não se
comprometer, tanto que nesse relatório, como nos
demais, ressalva na capa: "Este relatório
exprime pontos de vista coletivos de um grupo
internacional e não representa necessariamente
as decisões ou a política oficialmente adotada
pela Organização Mundial da Saúde". De
qualquer forma, é estranho que a OMS divulgue
relatório de técnicas que consideram o aborto
como método contraceptivo. Se a gravidez ou a
concepção já ocorreu, como considerar o aborto
método contraceptivo?".
E arremata o autor: "No número 18, de
abril/junho de 1972, da revista `Les Carnets de
L'enfance' lê-se que o ex-secretário-geral da
IPPF, a matriz da Benfam, Sr. Malcolm Potts,
afirma de modo categórico: "Não se obterá
uma diminuição do índice de nascimentos sem o
recurso importante do aborto, seja este legal ou
ilegal. Na maior parte dos países
subdesenvolvidos os abortos provocados têm um
efeito muito mais eficaz para diminuir uma taxa
de natalidade que a utilização dos métodos
contraceptivos. Uma combinação de métodos
contraceptivos e de aborto apresenta o mínimo de
riscos para a mulher e é igualmente o mais
econômico para limitar a natalidade. Malcolm
Potts já se convenceu da ineficácia das
"pílulas" em planos de controle da
natalidade em massa e assim recomenda às
organizações antinatalistas do Terceiro Mundo,
o mundo nem sempre branco, o recurso do aborto
legal ou ilegal, para ele não importa. Não se
pode negar que "sugestão" de
financiador é ordem a ser cumprida pelos
financiados" (4).
Reflexões do
magistrado
Fala-se, em favor da
legalização do aborto que, sendo ele permissivo
normativamente - na suposição de que estando
organizado e corretamente realizado por
profissionais honestos, idôneos e competentes,
substituindo a prática clandestina das
"curiosas" incapazes e ignorantes -,
teria conseqüências menos danosas para a
mulher. O fato é que, por ser o aborto uma
prática difundida, mesmo ao arrepio da lei, não
se justifica, pura e simplesmente, sua
legalização, pois as leis têm sempre, além da
sua ação punitiva, o caráter educativo e
purificador. Seria um perigo, para não dizer um
absurdo, excluir da proteção legal o direito à
vida de seres humanos frágeis e indefesos, o que
contraria todos os princípios aplaudidos e
consagrados nos direitos de cada homem e de cada
mulher.
Sobre isso, assim se define o Dr. Celso Panza,
Juiz de Direito no Rio de Janeiro, citado na obra
"Aborto - o direito à vida": "O
Direito foi feito para realizar-se. Na sua
realização, como ciência, obedece a uma
programática advinda do dogmatismo que o
elabora, constrói e critica. Antes de tudo é de
ordem cultural; em plano segundo tem origem nos
ordenamentos fundamentais do Estado -
constituições escritas ou não escritas,
rígidas ou inflexíveis.
Aqui o seu eixo, a sua matriz operacional. Em
nosso país, como em todas as nações, por
princípio jurídico infenso de censura,
inatacável ao curso dos tempos, o que for
contrário à Constituição é contrário ao
Direito e não pode realizar-se. Seria
superfetação dizer que a vida é um bem
protegido pela Constituição. Ela compõe como
bem mais excelente todos os artigos, parágrafos,
incisos e alíneas de todas as Constituintes.
Através dela brota o senso competência para a
União legislar em matéria penal (...).
O que é contrário ao Direito não pode
realizar-se. Excede do lícito. A liceidade tem
linhas caracterizadas visivelmente nas normas e
institutos. Vulneradas, há o desequilíbrio das
relações sociais. E princípio axiomático.
Tal raciocínio foi expendido para concluir-se
não estar ao talante do legislador a harmonia
social. A lei, como ato humano, falível, pois,
sofre o policiamento da crítica, valor pensante
mais alto da dogmática, e a censura dos
tribunais nos limites que extravasam da
legalidade. Há, contudo, conquistas sociais
marcadas em lei, desnudas de crítica ou
responsabilidade. Fizeram-nas os homens após a
vontade infinita da criação. Uma delas é a
tutela da vida, garantia revelha como o
surgimento do homem.
Esta seguridade foi cercada de angustiante
preocupação. Daí, por competência
constitucional, o legislador penal, cuidadoso e
profundamente analítico, recebeu da construção
científica institutos que admitem a preterição
da vida, por uma razão singela: em defesa da
própria vida.
Inseriu, pois, no Código Penal, a cientificidade
desses padrões. A legítima defesa, o estado de
necessidade, e estrito cumprimento do dever legal
ou o exercício regular de direito, são causas
excludentes de criminalidade. Todos com
singulares caracteres. Todos inspirados no bem
mais relevante - a vida.
Através do Diploma Penal tutelam-se bens,
definem-se suas lesões, exclui-se pelos
institutos prefalados a antijuridicidade; como
bem sobreexcelente protegido figura a vida, mas
também, ao revés, no meu sentir, autoriza-se de
forma sui generis sua predação, em
desconformidade com o direito mandamentado no
mesmo diploma. O aborto não encontra resguardo
em nenhuma excludente" (5).
Conclusão
No direito brasileiro e na
codificação ética vigente, o aborto deixa de
ser ilícito apenas quando feito pelo médico,
para salvar a vida da gestante ou para evitar o
nascimento de uma criança gerada por meio de
estupro. Reconhecem-se, portanto, duas formas de
exclusão da antijuridicidade desse delito: a
indicação médica salvadora e a indicação
piedosa ou sentimental.
No entanto, algumas decisões judiciais, em
locais diferentes, autorizaram recentemente o
aborto em casos de anencéfalos. Mesmo não sendo
considerados eugênicos nem suficientes para
criarem uma jurisprudência, isso certamente
será um precedente quando outros magistrados se
pronunciarem em casos semelhantes. Numa das
decisões, o juiz afirmou que "não se está
admitindo a indicação eugênica do aborto com o
propósito de melhorar a raça, ou evitar que o
ser em gestação venha a nascer cego, aleijado
ou mentalmente débil. Busca-se evitar o
nascimento de um feto cientificamente sem vida.
inteiramente desprovido de cérebro e incapaz de
existir por si só" (6).
Abstract -
Abortion: Brief Reflections on the Right to Life
In addition to express his
opinion, the author presents some reflections of
other authors and personalities. concerning the
most elementary, irrefragable right: the one of
living. Even considering the most adverse,
difficult situations in the perverse Brazilian
reality, he shows that present awareness tends
more and more to safeguard human life and
preserve its environment.
He also points out the fact that abortion is not
a cause, but a consequence; and it will always
have its solut�on as a social phenomenon by
means of political proposals capable of deeply
reaching the distressing elernents that afflict
the women who provoke abortion.
Finally, the author affirms that abortion is only
permitted by Penal Codes and Code of Medical
Ethics if it is practised to save the mother's
life or if pregnancy results from rape. He also
emphasizes that some isolated cases of abortion
of anencephalic fetuses are not a mode of eugenic
abortion, but a way of intervention in a life
scientifically unable to exist by itself.
Referências
Bibliográficas
- Martins IGS, Martins
RVS. O aborto e o direito à vida, Folha
de S.Paulo 1992 - Out -10;Primeiro
caderno:3.
- Sá Earp NA. Aborto e
defesa da vida. O Norte 1989 Set 10;
Segundo Caderno:l0.
- Lejeune J. O direito
de nascer [entrevista]. Veja 1991, Set -
11;(37):7-8,10.
- Pacheco MVA. Racismo,
machismo e planejamento familiar.
Petrópolis: Vozes, 1981.
- Santos Alves JE,
Brandão DS, Costa CTR, Bragança W.
Aborto: o direito à vida. Rio de
Janeiro: Agir, 1982.
- Barbosa de Deus B.
Dallari S.G.. Bioética e Direito.
Bioética 1993;1:91-5
(*) -
Professor de Medicina Legal e Deontologia Médica
da Universidade Federal da Paraíba - Brasil
Endereço para contato:
Rua Santos Coelho Neto, 200 - Apt. 1102 -
Manaíra
58030-450 - João Pessoa - Paraíba - Brasil
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